domingo, agosto 06, 2006

Marx e a religião

A passagem de Karl Marx em que se afirma que «a religião é o ópio do povo» é frequentemente citada como prova de que o pensamento marxista (e o comunismo, por extensão) seria anti-religioso. No entanto, essa passagem é mal compreendida, talvez por raramente ser citada na sua totalidade.


  • «A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo.»

Note-se que a referência ao ópio, que na época de Marx era uma droga de aristocratas e burgueses ricos, significa apenas que a religião é o escape, a fuga possível à «miséria real» das classes «oprimidas». Ao designar a religião como um «protesto» contra essa miséria e como «coração de um mundo sem coração», Marx demonstra até alguma compreensão pelo fenómeno religioso (senão mesmo simpatia). Nitidamente, se se tivesse que completar a série de metáforas usadas por Marx, facilmente se escreveria que a religião não é causa de problemas, mas sim consequência, que não é a doença, mas sim o seu sintoma.

  • «A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas para que se liberte das cadeias e apanhe a flor viva. A crítica da religião desengana o homem para que este pense, aja e organize sua realidade como um homem desenganado que recobrou a razão a fim de girar em torno de si mesmo e, portanto, do seu verdadeiro sol.»

Na sequência do seu raciocínio (perfeitamente lógico atendendo às premissas) Marx defende que a crítica da religião não é um fim em si próprio, mas apenas um primeiro passo para que o homem se liberte das suas «cadeias». De certo modo, pode dizer-se que Marx subordina a crítica anti-religiosa à luta política socialista, não reconhecendo à primeira mais do que um valor instrumental.